Essa é uma questão muito delicada.
Quando se descobre ter hepatite C (e finalmente se entende o que é essa doença), isso ganha uma dimensão desproporcional na vida da gente.
Às vezes pode dar vontade de sair contando pra todo mundo - pra desabafar, dividir o problema com outras pessoas, pedir ajuda ou mesmo só pra explicar porque estamos meio desorientados, tristes e tudo mais. Ou, pelo contrário, pode dar vontade de se fechar em seu mundinho e carregar esse fardo sozinho.
Meu médico me deu um sábio conselho logo na primeira consulta:
"compartilhe seu diagnóstico apenas com as pessoas mais próximas". Em princípio, não há porque ficarmos nos expondo desnecessariamente, mesmo porque muitas pessoas costumam ter dificuldades para interpretar dados: ou seja,
“doença infecciosa???? Deus me livre!”.
Aí surgem algumas situações de preconceito, velado ou explícito. Já soube de casos como o de uma mãe que impedia que seus filhos brincassem com os filhos da vizinha que tinha hepatite C:
“vai que as crianças estão contaminadas e nas brincadeiras se machucam, se mordem etc?”. É claro que o preconceito, a respeito de qualquer coisa, geralmente é fruto da ignorância - mas não podemos esquecer que a ignorância faz parte do nosso mundo.
Ainda teremos a oportunidade de conversar mais sobre preconceito. Mas agora queria apenas pontuá-lo como um aspecto a considerar antes de sair gritando a hepatite pra todo mundo ouvir. E também tem outra coisa: quanto menos gente souber, menos se fala e menos a doença se torna real. Ou seja, dá pra gente levar uma vida normal, quase sem lembrar da hepatite (já que é uma doença silenciosa). Podem chamar isso de fuga, de mecanismo de defesa, de estratégia de autoenganar-se... ou podem achar que é um jeito maduro de se lidar com um problema privado, de forma privada. Não sou psicóloga e por isso nem ouso refletir melhor sobre isso. O caso é que é uma opção.
No início, eu contei para pouquíssimas pessoas, apenas para os familiares mais próximos (e mesmo alguns deles eu "poupei"). Compartilhei a situação com colegas de trabalho que perceberam que havia alguma coisa errada, e também achei adequado contar para os meus gerentes que talvez passaria por um período de ausência devido ao tratamento.
Mas, gente, isso não é uma conduta obrigatória – nem legalmente, nem eticamente. Veja o que diz a Aliança Independente dos Grupos de Apoio sobre esse assunto:
Cartilha Direitos e Obrigações Legais nas Hepatites B e C.
Inclusive, existe uma Resolução do Conselho Federal de Medicina que impede que o médico informe o diagnóstico (CID) em atestados médicos, a não ser quando expressamente autorizado pelo paciente:
RESOLUÇÃO CFM nº 1.851/2008, de 18 de agosto de 2008.
Agora vejamos o outro lado: quando fui nomeada gerente de grupo no BB, o superior que me nomeou sabia do meu diagnóstico e que existia a possibilidade de eu me ausentar para o tratamento - e isso não influenciou a decisão. Fui comissionada por minha competência. E ponto. E isso é muito legal. Aqui vai meu agradecimento ao Zé Ronaldo, pela ética demonstrada naquele momento.
Antes de começar o tratamento, diante das possibilidades dos efeitos colaterais, achei adequado contar para as pessoas que poderiam de alguma forma ser afetadas (aquelas que se preocupariam ao me ver “doente” por causa dos remédios, ou que poderiam ser alvos da “tolerância zero” - um dos efeitos mais relatados).
Então compartilhei a situação com meus amigos queridos e com colegas de trabalho. E sabem como foi? Muuuuito legal! Recebi (e recebo) um super apoio, um super cuidado, além de uma grande compreensão quando não estou disposta ou quando digo
a coisa errada na hora errada – como já contei, os medicamentos nos deixam assim meio sem noção. Então, concluo que contar foi uma decisão muito acertada.
Em maio, por ocasião de uma reportagem sobre o Dia Mundial da Hepatite, resolvi tornar a coisa pública: ver
A cara da Flor. E a repercussão foi muito boa, não identifiquei até agora nada de negativo por causa disso. E vale a pena lembrar um dos comentários daquele post:
“A escolha de 'aparecer' não é fácil eu bem soube disso. Mas em qualquer circunstância (portadores...em tratamento...negativados...) temos um trabalho a fazer, eu acredito. Solidariedade, apoio, pesquisa, seja o que for. Depois que passamos pela 'tsunami', que acordamos, temos até o direito de cruzar os braços ou nada fazer. Mas as coisas mudam... para sempre!”. (Eli)
É, as coisas mudaram... eu acordei e descruzei os braços - o que tem sido muito legal pra mim.
Mas depois de tudo isso, qual é o meu recado?
Contar ou não contar?
Em primeiro lugar:
respeite-se, respeite o seu momento, o seu sentimento e a sua intuição. Se resolver manter segredo sobre a hepatite, você está no seu direito. Se resolver contar, você também está.
Cada caso é um caso: vai depender de você e de como você avalia as pessoas com quem você convive. Lembrando que a gente pode errar no nosso julgamento: tenho uma amiga que gosto muito e que eu achava que não lidaria muito bem com o fato de eu ter hepatite, por ser extremamente neurótica com a saúde dos filhos. Quando eu contei a ela que tinha hepatite C, sabem o que ela respondeu?
“Eu tenho a 'B'!”.