Comentei outras vezes que minha gravidez foi bem complicada. Segundo o obstetra e o infectologista, meu principal problema, embora envolvesse o fígado, nada teve a ver com a hepatite C: colestase intra-hepática - doença própria da gravidez, que atinge 0,01% das grávidas no mundo. Há indícios de que a causa seja genética e também de haver relação com os hormônios da gravidez.
Começou lá pelo 5º mês de gestação, em junho de 2007.
Como de costume, pesquisei muito na internet e, no início, me pareceu normal. É muito relatado prurido (coceira) durante a gravidez devido à distensão da pele.
Só que com o tempo foi deixando de parecer "normal". A coceira era demais, principalmente da canela para baixo. Eu me coçava sem parar, o que começou a ocasionar feridas.
Meu marido passou a dormir num colchão ao lado da cama, porque eu me mexia tanto (ao me coçar) que ele também não conseguia dormir.
É até engraçado, mas vejam essas fotos do aniversário da minha sobrinha, em julho de 2007.
Sim, é uma escova de banho - minha companheira inseparável na festa. Coça, machuca, mas não alivia, porque sabe como é: quanto mais se coça, mais coça. Mas é impossível não coçar!
Consultei um alergologista (alergista) que disse que era normal na gravidez e que não havia muito o que fazer. Receitou um anti-alérgico, que meu infectologista não me deixou tomar.
Procurei um acupunturista, buscando um tratamento alternativo. Enfrentei meu pavor de agulha, mas também não funcionou.
A obstetra chegou a me internar no hospital, pelos roxos nas minhas pernas. Tememos leucemia (grávida já é toda neurótica, né?), mas os roxos eram mais um ferimento que eu mesma me causava ao coçar.
Meio contra a minha vontade, fiquei de licença-saúde a partir do 7º mês, por "prurido incapacitante" (e era incapacitante mesmo!). Eu não ficava um segundo sequer sem me coçar, não importando o lugar que estivesse.
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Enlouquecedor! |
Claro que não faltavam conselhos e sugestões: o desespero era tanto que eu fazia tudo o que estivesse ao meu alcance: pasta d'água no corpo inteiro, banhos com permanganato de potássio, maisena no corpo e nem me lembro mais o quê. Nada funcionava.
E a angústia? Porque meu sexto sentido (ou o instinto materno) me dizia que era algo grave. É claro que havia ainda o fantasma da hepatite C, embora o infectologista dissesse que não havia relação.
Eu li sobre essa colestase intra-hepática na internet. Mas tudo era muito superficial. E havia a parte assustadora: risco de morte para o bebê.
Comecei a ficar muito insegura em relação à minha obstetra (e com razão, né?) . Recebi de amigas várias indicações de médicos, mas todos com a agenda lotada e não aceitando encaixe. E, convenhamos, quem ia querer uma gestante de 6/7 meses, com hepatite C, relatando problemas?
Quem? Ele, o anjo,
Dr. Jorge Issao Sasaki, muito conhecido em Brasília.
Demorou umas três semanas, mas consegui o encaixe.
Quando sentei na frente dele e relatei o que sentia, ele me olhou muito tranquilo e disse com sua objetividade oriental: "Isso é fígado, é normal da gravidez. Procure um hepatologista. Provavelmente ele vai te passar o remédio tal".
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Dr. Jorge Sasaki, médico obstetra |
E foi o que eu fiz. Na porta da frente do Dr. Sasaki ficava um consultório de gastro/hepatologia onde eu já havia consultado uma vez, por causa da hepatite. Alguns passos e meu problema estava diagnosticado:
colestase intra-hepática mesmo.
Quando há colestase, a bile não vai para o intestino como deveria, concentrando-se no sangue e, assim, elevando a quantidade de ácidos e sais biliares no plasma. Se bem entendi a explicação da médica, a gente fica meio intoxicado com o sal.
O principal sintoma é a coceira - que pode ser nas palmas e plantas dos pés ou generalizada, e se agrava à noite.
Após alguns meses, fiquei com a urina escura e as fezes brancas (xixi coca-cola e cocô fantasma). Os exames laboratoriais mostraram a GGT (Gama Glutamil Transferase) nas alturas - 494 U/L (segundo a dermatologista, "exame de pinguço". Valor de referência para mulheres: 1 a 24 U/L). Dois meses após o parto, já havia baixado bastante - 69 U/L (as taxas dos meus exames do perfil hepático geralmente são alteradas mesmo, por causa da hepatite).
A gastro, Dra Luciana Teixeira de Campos Cella - médica fantástica, me receitou o Questran (colestiramina), que resolveu o problema da coceira. O remédio é caro: na época (2007), a caixinha custava R$ 50,00 e durava 3 dias. Atenção: não use remédio algum sem indicação do seu médico! Principalmente na gravidez!!! Se tiver hepatite C então... lembre que a maioria dos remédios é metabolizada pelo fígado.
O Questran tinha como efeito colateral o ressecamento das fezes. Isso pode parecer banal, mas garanto que não é: meu cocô virou um tijolo e sofri demais por causa disso. O bebê nasceu de cesárea, mas antes disso tive a experiência bem dolorosa de um "parto normal" com um desses tijolos, que não vou descrever aqui por ser muito constrangedor. Por esse incoveniente, a médica me receitou também o Plantabem.
Outro efeito do Questran é o prejuizo na absorção de gorduras, o que pode causar carência de vitamina K (lipossolúvel) e, consequentemente, risco de hemorragia. Por isso precisei tomar três injeções de vitamina K - uma imediatamente após o parto e as outras nos dias subsequentes, ainda no hospital.
Com medo de uma hemorragia no caso de um acidente ou sei lá o quê, estava sempre comigo o relatório da Dra. Luciana e a requisição da vitamina K, junto ao cartão do pré-natal.
Como há risco de morte para o bebê, recomenda-se o parto assim que possível (38ª semana quando há purido; 36ª semana se houver icterícia - pele amarelada, que ocorre em 20% dos casos).
Minha filha nasceu com 38 semanas e correu tudo MUITO bem!
Hoje ela tem dois aninhos de muita gostosura.
As dificuldades da gravidez ficaram apenas na lembrança.
E sim, valeu a pena!
Teoricamente, não há prejuízo para o fígado após a colestase. Mas quem pode me garantir isso? Não posso arriscar. Numa nova gravidez, a chance de fazer colestase novamente é de 80%.
Preciso preservar meu fígado ao máximo e, por isso, um irmãozinho para minha princesa está fora dos planos. Meu infectologista também não recomenda, "enquanto não estiver curada da hepatite C" - não por causa da hepatite, mas dos problemas associados que tive.
E, sinceramente, ainda não estaria preparada para passar por tudo aquilo novamente... ainda não...
Contatos:
Dr. Jorge Sasaki
(61) 3345-3409
Centro Clínico Sul, torre 2, sala 101
Setor Hospitalar Sul - Brasília /DF
O consultório é lotadíssimo, a gente fica horas esperando, mas a confiança não tem preço.
A Dra. Luciana trocou de especialidade, agora é oftalmologista, mas ainda atende como gastro no Hospital de Base do DF.
Fontes:
The Internet Journal of Anesthesiology
Babycenter Brasil: Colestase obstétrica
Patologia médica associada à gravidez
Huggies: Colestase Obstétrica